O Tempo e a Maturidade
Eu não quero ser um escravo do tempo
Eu não quero ser escravo do Tempo.
Em sonho, uma senhora me ensinou que não são os dias, as horas, os meses ou anos que nos tornam escravos; eles são inevitáveis, condição da mortalidade desta Terra. O chicote, tronco e corrente são as obrigações que carregamos.
Respeito à família, carga-horária de trabalho, desempenho, sucesso financeiro, o próximo carro, o boom de clientes, o post novo, o sorriso da mulher amada, a satisfação da minha mãe, meus padrinhos e minha avó... chicote. E aqui dentro uma voz me fala "para que escrever isso? Sonhos são trivialidade, essa vida é toda materialidade! Não se sacia a fome com alegria ou se paga boleto com felicidade!".
Vejam, nasci com uma doença terrível, incurável, lastimável e lastimada em todos os Éons: nasci poeta, fadado ao eterno meninismo das rimas bobas, de versos tortos, de alegorias estapafúrdias, extravagâncias coloridas, mórbidas, cálidas...
Nasci poeta. E o que isso faz de mim, senão o pior dos degenerados? Leproso a ser exilado? A boca maldita que sussurra versos conjurados do éter, que causa a discórdia, a infâmia, a destruição de tudo que é belo e bom e justo nesse mundo vasto e aterrador preenchido de confórmia?
É justa a culpa à sombra do Pai.
Aracy, arauto da infância, sua visão em mim foi momento de abrupta abundância. Farto de lágrimas, as deixei cair, abri mão de minha fartura por um abraço cálido de quem compreende que não só de carne, carro e cargo vive a gente, mas a verdadeira razão é o coração. Toda a liberdade do mundo ainda é prisão, se em minha mente-coração - porque tolo sou eu de acreditar que há divisão - ainda houver cela, grade e grilhão.
Maturidade
I Me oferecerem a fruta verde da infância E eu me lambuzei Mordi-lhe a casca Comi-lhe a carne Bebi-lhe o sumo E para quê? Se ao crescer me disseram que essa fruta Não valia nada Era pantomima Era patuscada Uma fase, a qual Às bobagens destinada Haveria, e não tarde De ser abandonada Para ser Homem Veja bem É preciso ir além! É preciso matar um leão, Cumprir sua missão Prender o vilão E salvar a donzela do trem! Bobagem? Mas não! Como ouso?! Maldito é o fruto de meu ventre Bondoso Amarelo: Cartão Sinal Flor em botão Mas não! Trabalhe, Homem! Pelo futuro da nação! Máquinamáquinamáquinamáquina De construção Des-construção Deus-construção II Bondoso e amado Pai, Me perdoe trocar o S pelo Z Mas é que para mim O Senhor é uma piada Pronta Por isso Bondozo Com Z, para rimar com Bozo Reinante palhaço do gozo Perdão! Sei que sua face é austera E sua régua, severa Já que és Pai criador Destruidor, mantenedor E tudo aquilo que há Houve Ou haverá Mas venha cá E me dê uma moral Será que já está maduro tal Que és incapaz de um sorriso final? Pra quê Juízo Se você pode ter riso? Pra quê inferno Se (cá dentro) eu sei Que o que mais queres É um abraço terno Do teu filho que condenastes ao fogo eterno? Quanta intemperança Passando por cima da própria Criança Para provar, aos olhos do céu e da terra Que fez a coisa certa Sem nem deixar porta aberta Ao ódio de Satanás "Que não seja imortal posto que é chama" E assim se faz eterno por não poder conciliar O amor e a rejeição Ódio e a afeição Desgosto e adoração Por esse Pai condecorado Hosana! Nas alturas enfurnado Que escanteia toda sua criação Pois rejeita parte e não, Como Homem Severo, Dá a torcer a mão Para o amor que deseja em aflição Pai Resgata tua infância Traz à tua fronte tua Criança Lembra de como é bom ter confiança E não a espada maciça da ignoráncia Pai Chama o teu filho aos céus Ou antes! Desces tu ao inferno Teu inferno E reconcilia-te com o que guardas no porão Quem é Mitra Apartado de Varuna? Vamos, chama tua carne E una O teu sonho à tua luta No desejo de ser um só! Para quê se manter afastado Se o filho a que deixas apartado É de tua obra guardião? Mas não Pai Não Homem de verdade não volta atrás E nem acolhe A cria que ao seu supremo desejo desfaz Pai III Eu vou contar um segredo Calma, calma, abaixa a mão Recolhe o dedo Calma, não, não tenha medo E nem me olhe com aflição O fato é Que a fruta verde é a madura E na polpa dela está a cura Para toda a nossa aflição Quem no soar da infância Amarelo-tarde Não sorriu sem alarde Ao ficar de bem com o amigo covarde? Ou festejou, com graça Sem gracejo, O alvoroço magistral Do azul-colosso de um primeiro beijo? Diga, diga pra mim Em quais noites carmim Se é capaz de negar o chamado De um outro menino apressado Buscando o prazer de uma brincadeira afim À alegria de um dia sem fim? Quem, neste amplo e bravo mundo Quem, mesmo que adulto Não sentiu o pulsar veemente Das paredes do órgão que sente Ao descobrir uma paixão? Quem não se satisfez Mesmo que por apenas uma vez Com o arrepio da pele morena, Clara ou escura da pequena Com nossos corpos em fluidez? Quem dentre nós nunca olhou Com ternura E pensou "Queria ser eu ali naquele pula-pula"? A profecia está lançada Quem salvará o mundo não será a espada Nem a lança imponente Ou a adaga disfarçada Quem salvará está terra desolada Por nossas línguas devastada Será um coração bondozo Um em cada Pois onde algo começa Outro algo acaba Quando de cada bola Coração-bobo surgir Posso lhe garantir Que nossa alma estará salva IV O Ancião diz: "Não se preocupe" Ele está certo Só se ocupe Com aquilo que lhe faz florir Esterco e terra e água e pedra E sol, semente e olhar contente De ver nova árvore crescer De ver a velha árvore ruir E do seu tronco morto cair O fruto novo da criação O Velho sabe O Velho viu O Velho assistiu ao fim do mundo E riu