O desafio não é ser quem somos, mas sustentar o Ser que se é.

Ao longo de minha vida mudei bastante, e isso poderia até ficar implícito; as memórias, fotos guardadas e a consciência de que todos mudamos falam por si só. Ninguém é igual ao que era ontem.
No entanto opto por reforçar: mudei bastante. Por quê? Ora bolas, porque de que outro modo poderia falar sobre esse tema?
Tendemos a crer que nossas vidas são experiências lineares, afinal de contas nascemos, crescemos, envelhecemos e morremos - e isso nos soa bem direto, sem espaço pra movimentos diferentes. E está perfeitamente correto, através do Tempo só andamos pra frente, mas insisto em provocar, então sugiro um experimento:
Pegue cinco fotos suas em diferentes idades e etapas da vida. A primeira preferencialmente no período da infância, a última sua foto mais recente; entre elas vale tudo, quaisquer etapas, idades, lugares da sua escolha.
Agora se permita contemplar cada uma dessas fotos por 10 a 20 segundos, prestando bastante atenção no que está registrado na imagem. Busque se lembrar dos momentos de cada uma delas, as cores, cheiros, gostos, sentimentos, acontecimentos, que idade tinha, o que esse momento teve de especial e de mundano... Tome seu tempo, sem pressa.
Nestes minutos em que você contemplou suas fotos, que olhou pro passado através dessas janelas congeladas no Tempo, algo lhe ficou claro? O que mudou de um registro para o outro? Você ainda é aquela criança? Você, hoje, é tão diferente dela que em nada se relaciona com aquela figura da primeira foto?
Diversas fases das nossas vidas, diversas nuances de personalidade, diversos "Nós". Todos eles nós fomos; não somos nenhum deles, mas todos eles são partes de nós, de nossas histórias.
Confuso?
Tudo bem, volte à sua própria história: em que momento você deixou de se importar tanto com aquela coisa que marcou sua infância pra curtir algo mais legal, mais maduro? Durante sua adolescência, quantas portas você abriu e nunca entrou? E das que entrou, de quantas "voltou atrás"?
Falamos à exaustão de "ser quem se é", "agir genuinamente", "não ligar para o que os outros pensam", como se toda e cada uma dessas experiências fosse linear, constante, como se, inclusive, sempre soubéssemos o que somos. Na verdade, e você certamente pode atestar isso, tantas vezes sabemos somente o que não somos, não é?
E quem nunca passou por aquela situação delicada de FINALMENTE saber quem se é e, de repente, no dia seguinte até, aquilo deixar de fazer sentido?
E é aí que eu quero chegar. O que faz de nós "nós"? Aquela palavra dita, impressa no tempo, ou o que ela reverbera e cria ao longo do caminho do Ontem ao Hoje? Sendo assim, "ser quem se é" não seria algo estático, não é? Muito pelo contrário, "ser quem se é" seria ser, aceitar e perceber-se como sempre mutável.
O que muda não se define, pois assim que isso é feito, se acaba, torna-se outra coisa.
"Torna-te quem tu és", escreveu Nietzsche, pavimentando o caminho.
Para se reconhecer Ser (reconheSer) talvez seja necessário abrir mão daquilo que nos delimita.
Ou não, será?