Nem todos os dias serão luminosos...
... e tudo bem.
Nos acostumamos a responder automaticamente à pergunta "Como você está?" com um rápido e desapercebido "Bem!". Sempre afirmamos que está tudo certo, caminhando, no seu ritmo, no fluxo, suave, tranquilo, levando...
Me pergunto se, de fato, todos nos sentíssemos realmente assim, haveria a necessidade para um blog como este. Não me parece.
Como o sol mostra sua face a cada manhã, assim também o faz as trevas à noite: a luz se esconde; ao que nós, seres de visão, recorremos para continuar enxergando? Criamos luzes, pequenos sóis artificiais a nos alumiar escuridão adentro para nos salvaguardar dos males que possam vir a se esconder nos lugares onde nossos olhos, feitos para a radiância solar, são inúteis.
Escorpiões, duendes, pregos enferrujados, demônios, fantasmas, quinas de cama ou pedaços de lego espalhados pelo chão: aquilo que se esconde além da sombra traz a noção de perigo, dor ou machucado, por isso o pensamento de uma noite completamente no escuro faz muita gente ter calafrios na espinha.
As luzes mantêm a escuridão da porta pra fora. "Aqui não!", bradamos e vamos dormir felizes e satisfeitos, seguros de que o nobre abajur cumprirá sua nobre função de espantar as trevas e os seres que nela possam se esconder.
Até que – puf - falta energia.
O que fazemos então? Lâmpadas de emergência? Velas? Seja como for, o Escuro invadiu os domínios da Luz. As sombras nas paredes nos são estranhas, os barulhos ficam mais altos, nos acuamos em nossos lugares familiares agora que estranhas formas os preenchem. Onde está o abajur protetor? Quem poderá acende-lo? Há algo que possamos fazer para nos defender?!
Respire.
Respire conscientemente.
Lentamente.
Atentamente.
Observe:
Há momentos em que em nós também faltará luz; em nós também haverá noite.
É muito confortável pensar que podemos sempre vestir o sol no rosto e trazer o azul nos braços, mas não: uma hora a noite chega e traz todos os seus presentes ocultos – estranhos ou pestilentos - senta-se na sala dos nossos corações e nos olha diretamente nos olhos.
Podemos fazer o sol raiar mais cedo?
Nem sempre.
E, quando podemos, por que fazê-lo?
Por que, então, não aproveitar a companhia que se apresenta e ouvir o que ela tem a dizer?
A noite da alma é como a noite dos olhos e, como tal, nos faz olhar para os cantos soturnos em nós.
Como na escuridão do lodo nasce a pérola da ostra, como entre as rochas pesadas e duras se esconde o ouro precioso, nas noites de nossas almas se esconde o doce dos olhos e a leveza do corpo, basta abrir os ouvidos para deixar a cegueira de fora da escuridão.
Se as palavras forem muito duras, se a dor for muito intensa, não há crime em pedir ajuda.
Peça, mas se dê a chance de se erguer.
Peça e se permita tornar a (vi)ver novamente.
"Tem dias que a gente acorda com medo do escuro
Tem dias que a gente dorme e sente-se inseguro"
E tudo bem.